sexta-feira, 29 de março de 2013

Os "trens de água" na memória de nossas ferrovias


  Mais uma vez as secas castigam o Nordeste. Isso não é dos últimos anos, logicamente, pois os longos tempos de estiagem já constituem a natureza do semi-árido nordestino, contudo vêm se agravando em consequência das agreções ao Meio Ambiente. Projetos são elaborados pelos governantes para lidar com o problema das secas, mas a mesma continua causando sérios prejuízos.
  Em várias épocas o povo pôde contar com as ferrovias para minimizar a falta de água; casos desse tipo aconteceram há não muito tempo atrás aqui em Pernambuco. No fim dos anos 90, a região Nordeste enfrentou mais uma longa estiagem que decorreu no esgotamento de importantes reservatórios para cidades do Agreste e Sertão pernambucanos, como foi o caso de Gravatá e Bezerros. Leia a notícia de março de 1999 do Jornal do Commércio, com o título “Trem alivia a seca em Bezerros”:

  “Atingindo a terceira semana sem água nas torneiras, o município de Bezerros aguarda, a partir das 9h de hoje, um trem com oito vagões transportando 300 mil litros d'água dos poços de Suape, no Grande Recife. Enviada
Trem de água sendo formado em Cinco Pontas, no Recife,
no fim dos anos 90.(Imagem: Recorte de jornal -
Acervo de Emmanoel Lucas).
em caráter emergencial pelo Governo do Estado, ontem à tarde, da Estação das Cinco Pontas, a carga atende um pedido de socorro do prefeito Lucas Cardoso (PFL) feito semana passada, quando o município chegou ao colapso total devido ao estado da Barragem de Brejão, considerada tecnicamente seca pela Compesa.
  "Não entendemos como é que não fomos informados há mais tempo sobre o estado da barragem nem passamos por qualquer tipo de racionamento pela Compesa antes de ficarmos, de repente, sem água desse jeito", desabafou Cardoso. O presidente da empresa, Gustavo Sampaio, esclareceu que a maioria dos 241 sistemas operados pela Compesa no Estado sofreram algum tipo de racionamento. "O problema é que a água de Brejão foi muito usada por carros-pipa da Compesa, Emater (atual Ebape) e das prefeituras para abastecer cidades próximas, como Gravatá, acelerando o colapso da barragem", explicou.
  Ainda assim, o secretário estadual de Infra-estrutura, Fernando Dueire, anunciou a conclusão, a partir de hoje, de obras urgentes para captação da água ainda disponível em fossos da barragem, através de bombas de alta pressão e 400 metros de linha de transmissão da Celpe, para a rede de abastecimento de Bezerros.                                        "Continuaremos enviando o trem semanalmente com o mesmo volume enquanto permanecer a seca na cidade", acrescentou Dueire. Outra cidade em colapso que também vai continuar sendo abastecida por trem é Gravatá, que já recebeu 500 mil litros de Suape.” (17 de Março de 1999)
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  Hoje, infelizmente, devido ao relaxamento proposital e a falta de planejamentos sérios de nossos governantes, cidades como as citadas na notícia não podem contar com o trem na luta contra a seca. A Linha Centro de Pernambuco, que liga Recife a Salgueiro encontra-se abandonada. Foi por meio da mesma que vários trens de água socorreram cidades do semi-árido pernambucano. Hoje, a mesma encontra-se sucateada, com seu leito invadido, inclusive até possivelmente por pessoas que se utilizaram do trem e da água transportada por meio do mesmo. Trilhos roubados ou aterrados completam a triste realidade de uma ferrovia que poderia estar sendo usada mais uma vez nessa estiagem (e não só com esse próposito).
  Com o envio de trens de água, os efeitos da seca poderiam ser minimizados. Fica a pergunta: Em meio a tanto progresso, o benefício das ferrovias em nosso estado pode ser simplesmente substituído pela implementação de mais e mais rodovias? A resposta logicamente é não. Podemos utilizar como exemplo os próprios trens de água: Em uma viagem, com apenas 8 vagões transportou 300 mil litros de água; fazendo a divisão, equivale a 37,5 mil litros por vagão. Caminhões pipa possuem capacidades variadas podendo até alcançar os 30 mil litros; um caminhão bi-trem, no entanto, poderia alcançar por volta de 60 mil litros de capacidade, o que é vertiginosamente inferior ao que pode ser transportado por meio da ferrovia em apenas uma viagem, sem falar ainda que o trem não enfrenta engarrafamentos e reduz as fontes de poluição, sendo ecologicamente bem mais correto. Veja:

Trem de água (com 8 vagões)   X   Caminhão pipa bi-trem
Sem engarrafamentos                          Possibilidade de engarrafamentos
300 mil litros (uma viagem)                  Aprox. 60 mil litros (uma viagem)

  Uma vez que por rodovia, a capacidade de transporte por viagem é bem mais reduzida com relação a ferrovia, seriam necessários mais 5 viagens ou cinco veículos, em outras palavras, 5 fontes de poluição de ar (e aumento de tráfego nas rodovias) para transportar os 300 mil litros do trem.
  Cidades como Sanharó, “Terra do leite e do queijo”, que tem sua economia baseada na agropecuária e hoje tem boa parte de seus rebanhos dizimados por conta da falta de água, poderia estar com tais impactos bastante reduzidos se estivesse recebendo um trem de água.
  Esse é nosso pais, onde se prefere o politicamente vantajoso ao invés do social e ambientalmente correto. Onde estão nossos trens de passageiros, que transportaram milhares de pessoas, para o Agreste, Sertão, Zona da Mata e outros estados? Onde estão nossos trens de água num momento difícil como esses, que traziam água até o centro das cidades afetadas pelas secas? Enfim, onde está a memória de nossos caminhos de ferro? 
Recorte de jornal mostrando a manchete da utilização dos serviços da ferrovia pela Compesa em Pernambuco. (Imagem: Acervo de Emmanoel Lucas).
Estação ferroviária de Sanharó, na Linha Centro. Esta é uma das cidades que mais está sofrendo com os efeitos da seca. (Imagem: Acervo pessoal - Janeiro de 2009).

Outros estados do Nordeste também utilizaram trens de água. Na imagem vê-se uma composição da RFFSA no pátio de Lajes, no Rio Grande do Norte, em fins da década de 80. (Imagem: cabuginoticia.blogspot.com)

Multidão se aproxima do trem de água da RFFSA, no município de Lajes-RN. (Imagem:  cabuginoticia.blogspot.com)

Trem de água da RFFSA na Paraíba, nos anos 90 (Imagem: Acervo Josélio Carneiro).

quarta-feira, 6 de março de 2013

O Ramal de Cortês (Ribeirão a Cortês)



   Neste início de 2013, o Projeto Memória Ferroviária de Pernambuco foi conhecer o que restou do antigo Ramal de Cortês, que partia da estação de Ribeirão (Linha Sul) com destino à cidade de Cortês.
  O mesmo possuía aproximadamente 29 km de extensão. Segundo o site "Estações Ferroviárias do Brasil" (http://www.estacoesferroviarias.com.br/pernambuco/cortez.htm) o Ramal já existia desde o fim do século XIX, porém em Julho de 1907 foi arrendado a Great Western que teve de fazer uma recuperação da linha. Ainda segundo este site, o objetivo inicial da construção desse ramal seria o de ligar Ribeirão a Pesqueira, o que nunca ocorreu. Estevão Pinto, em seu livro "História de uma estrada de ferro do Nordeste" (1949) cita que o ramal foi arrendado à Great Western que ficou obrigada a recuperar a via permanente do mesmo e de prolongá-lo até a cidade de Bonito; a recuperação ocorreu, porém a linha nunca passou de Cortês, não chegando a Bonito.
  A primeira estação ao partir de Ribeirão era José Mariano, no povoado de mesmo nome originado a partir da Usina Caxangá. Hoje já não existe mais. Moradores locais nos indicaram onde se localizava a velha estação e também citaram a existência de restos de uma ponte alguns metros à frente.
  Ao contrário de José Mariano, Progresso, a estação seguinte continua de pé e serve de moradia. Apesar de ter sofrido algumas modificações ainda guarda boa parte dos traços de sua arquitetura original. Uma de suas moradoras nos informou que até há algum tempo atrás ainda podia se ver o dístico da estação com a palavra "Progresso", porém o prédio passou por reformas e as paredes foram rebaixadas, perdendo-se os dísticos.
  Alguns metros à frente da estação Progresso existem restos de uma ponte da extinta linha. À beira de um límpido riacho estão as cabeceiras da ponte, construídas com blocos de pedra. A paisagem do local é realmente uma maravilha!
  A parada de Macacos seria a próxima estação da linha, porém, segundo moradores locais não existe mais nada da mesma. Seguimos então para a estação Linda Flor, onde também fomos bem recebidos e conhecemos seu Horácio, 74 anos, atual dono do prédio da estação que nos contou um pouco sobre o Ramal de Cortês quando ainda funcionava: " Eu morava aqui, tinha cinco casas aqui (de frente para estação) e eu pegava trem nesta estação para Ribeirão... estou com 74 anos. O trem passava aqui de cinco horas da manhã, ia pra Ribeirão; no dia de hoje (sábado) ele só vinha de noite (para Cortês). Agora no dia de Domingo era que de duas e meia ele vinha voltando."
  A estação de Linda Flor encontra-se muito bem preservada. Dona Lúcia, vizinha da estação, nos mostrou algumas cédulas antigas e moedas que guarda. Ela falou ter encontrado tudo perto da estação, tendo sido possivelmente do tempo em que a ferrovia era ativa.
  Pegamos a estrada e fomos em direção a penúltima estação da linha, Ilha de Flores. Esta, por sua vez, localiza-se dentro dos terenos da Usina Pedroza. Seu prédio serve à comunidade local e encontra-se muito bem preservado, guardando praticamente todas suas características originais, desde a plataforma à cobertura da área de embarque. A velha usina, desde o tempo em que o trem cruzava a estação de Ilha de Flores, continua a todo vapor.
  Seguimos até Cortês, estação terminal da linha. Esta, preservada pela prefeitura local, mantém seus traços originais e está em bom estado de conservação. Localizado na área central da cidade, este velho prédio guarda a memória do trem que fazia a ligação entre Ribeirão e Cortês.

 Confira as imagens feitas pelo MFPE do Ramal de Cortês

Local da estação José Mariano. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Área de embarque da estação Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Visão lateral da estação Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Restos de uma ponte da linha, alguns metros após a estação de Progresso. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).
Detalhes de uma das cabeceiras, construída com blocos de pedra. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Linda Flor. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Vista de onde ficava o pátio da estação Linda Flor. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Seu Horácio, proprietário da estação Linda Flor guarda os últimos vestígios da extinta linha, tais como pregos de fixação, restos de trilho e talas de junção. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Tala de junção da velha ferrovia. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).


Dístico da estação de Ilha de Flores. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Vista da área de embarque da estação Ilha de Flores. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Ilha de Flores anexada à uma construção mais recente. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Vista da plataforma da estação Ilha de Flores. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação de Cortês. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação Cortês. Notar no dístico da estação a grafia primitiva "Cortez". (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Estação de Cortês no centro da cidade. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).

Cobertura da área de embarque da estação ferroviária de Cortês, desativada desde o início da década de 1970. (Foto: Arquivo pessoal - Janeiro de 2013).